Esse resultado é o Teorema do Valor Intermediário, iremos enunciá-lo logo abaixo:
Teorema ( Teorema do Valor Intermediário): Seja $f: [a,b] \rightarrow \mathbb{R}$ contínua. Se $f(a)<d<f(b)$ então existe $c\in (a,b)$ tal que $f(c)=d$.
Vamos entender os elementos envolvidos nesse teorema:
Primeiramente temos uma função contínua, para o leitor que não possui intimidade com a definição de função contínua podemos pensar nela como uma função que, na construção de seu gráfico, pode ser desenhada sem retirar o lápis do papel, assim temos abaixo um exemplo de uma função contínua e uma descontínua:
Desse modo, o que o Teorema nos diz é que dada uma função contínua definida em um intervalo fechado, então qualquer valor compreendido entre dois pontos da imagem também pertence à imagem dessa função.
Para uma completa demonstração do Teorema o Leitor pode consultar o livro "Um Curso de Análise Vol.1, ELON LAGES LIMA", ou aqui.
O que nos interessa aqui são as consequências desse belo teorema, em muitos cursos de cálculo os alunos são apresentados a este teorema, porém muitos deles não sabem a utilidade do mesmo em várias áreas, por isso vamos destacar algumas aplicações:
1. Existência de soluções em equações (Teorema de Bolzano)
O Teorema de Bolzano é um caso particular do Teorema do Valor Intermediário quando $d=0$, ou seja, dada uma função $f$ e dois pontos de seu domínio ($a$ e $b$), se $f(a)\cdot f(b)<0$, então existe $c$ no domínio de $f$ tal que $f(c)=0$.
Podemos pensar em $f(x)=0$ como uma equação onde $c$ é uma raíz (note que essa não é necessariamente a única raiz). Assim, o Teorema de Bolzano não só nos diz se a equação possui raiz, ele nos diz se no interlado considerado existe alguma raiz.
Por exemplo, mostrar que $cosx=x$ possui uma solução em $[0,1]$.
De fato, a solução da equação acima é uma raiz da função $f(x)=cosx-x$ e $f(0)=1-0=1>0$ e por outro lado $f(1)<0$, pois $2<\pi \Rightarrow 1<\frac{\pi}{2} \Rightarrow cos(1)<0 \Rightarrow cos(1)-1<-1<0$. Logo, $f(0)f(1)<0$, portanto existe $c\in(0,1)$ tal que $f(c)=0$,assim $cos(c)=c$.
Exercício: Mostre que $ln(x)=e^{-x}$ possui uma raiz entre 1 e 2.
2. Teorema dos pontos antípodas
Esse resultado afirma que em qualquer círculo máximo em torno da Terra sempre existem pontos antípodas com a mesma temperatura, ou mesma pressão, ou mesma altitude (ou qualquer escala que varie continuamente).
De fato, seja $f$ uma função contínua definida em um círculo máximo, note que $f(x+2\pi)=f(x),\forall x\in \mathbb{S}^1$.
Defina $g(x)=f(x)-f(x+\pi)$. Veja que $g$ é a diferença da função $f$ em dois pontos antípodas. Se $g$ é constante então não temos nada para provar, suponha então que $g$ não é constante, assim, considere um ponto $a$ onde $g(a)>0$. Note que
$$g(a+\pi)=f(a+\pi)-f(a+2\pi)=f(a+\pi)-f(a)=$$
$$-[f(a)-f(a+\pi)]=-g(a)<0$$
Logo, existe $c\in(a,a+\pi)$ tal que $g(c)=0$.
Portanto, $f(c)=f(c+\pi)$.
Assim, se um dia você estiver em um lugar onde esteja muito quente, pode ser que alguém do outro lado do mundo também esteja compartilhando essa mesma experiência com você!
3. Escalando uma Montanha
Suponha que uma pessoa decida iniciar uma subida em uma montanha de altura H ( a altura da montanha é irrelevante para o problema), ele iniciou a subida às 8:00h e alcançou o topo ao meio-dia, ele decidiu então ficar o resto do dia acampando no topo e consequentemente passar a noite naquele local. Na manhã seguinte ele iniciou sua descida novamente às 8:00h e chegou embaixo às 10:00h (a gravidade claramente auxiliou o rapaz). Baseado nesse relato, prove que em algum momento da descida o rapaz estava na mesma altura e na mesma hora do que na subida do dia anterior, não importando a velocidade que o mesmo desenvolveu durante o trajeto.
Ora, a subida de uma pessoa por uma montanha pode ser descrita como uma função que depende do tempo, nesse caso a altura depende do tempo, assim:
Note que o gráfico não possui quebras (quebras no gráfico significaria que o rapaz tem a capacidade de se teletransportar, por isso assumiremos aqui que o rapaz não possui tais atributos).
Analogamente, descrevemos o gráfico da descida:
Se desenharmos os gráficos no mesmo eixo o problema claramente possui uma solução, veja:
Resolvendo algebricamente agora:
Seja $s:[8,12]\rightarrow [0,H]$ a função que descreve a subida e $d:[8,12]\rightarrow [0,H]$, onde $d|_{ [10,12] }\equiv 0$.
De modo que $s(8)=d(10)=d(12)=0$ e $s(12)=d(8)=H$, assim, definimos a função $f:[8,12]\rightarrow \mathbb{R}$ dada por $f(t)=s(t)-d(t)$, note que $f$ é contínua, assim veja também que:
$f(8)=s(8)-d(8)=0-H<0$ e $f(12)=s(12)-d(12)=H-0>0$, portanto $f(8)\cdot f(12)<0$, logo, existe $c\in [8,12]$ tal que $f(c)=0$, logo $s(c)=d(c)$. Assim, existe um ponto na subida e na descida em que o rapaz passou no mesmo horário do que o dia anterior.
Note que poderíamos melhorar esse resultado e chegar a conclusão de que $c\in [8,10]$, isso fica ao cargo do leitor (I feel like a math book writer!).
Em breve postarei um outro teorema relacionado a este que possui muitas aplicações (O Teorema do Ponto Fixo em dimensão 1).
Até mais !
Amigo, posso te agradecer muito? Li o seu blog estudando para um processo seletivo para professor e adivinha, caiu a questão dos pontos antípodas. Antes eu nem sabia o que era isso. Acertei graças a você e passei. Obrigada, obrigada, obrigada :D
ResponderExcluirIsso é ótimo, esse é exatamente o propósito no blog, levar o conhecimento e auxiliar os leitores no que for possível.
ResponderExcluirParabéns pela aprovação!